Trago aqui extratos recentes de Adelia Prado. Ela disse, entre outras coisas -reproduzo a seguir - que "a tristeza num poema é alegria, ainda que lacrimosa". Aproveito para fazer um aparte sobre minha recente pesquisa sobre a melancolia. Aristóteles perguntou por que afinal todos os que foram homens de exceção, figuras excepcionais, seja em filosofia, artes ou poesia, foram também manifestamente melancólicos? É possível refletir esta pergunta também em Adelia Prado.
“O que precisa nascer
tem sua raiz em
chão de casa velha.
À sua necessidade...
o piso cede, estalam rachaduras
nas paredes,
os caixões de janela se desprendem.
O que precisa nascer aparece no sonho
Buscando frinchas no teto,
Réstias de luz e ar.
Sei muito bem
Do que este sonho fala
E a quem pode me dar
Peço coragem.”
(Alvará de demolição)
“Nenhum pecado desertou de mim.
Ainda assim eu devo estar nimbada...
Porque um amor me expande.
Como quando na infância
Eu contava até 5 para enxotar fantasmas,
Beijo por cinco vezes minha mão.
Este é meu corpo,
Corpo que me foi dado
Para Deus saciar sua natureza onívora.
Tomai e comei sem medo,
Na fímbria do amor mais tosco
Meu pobre corpo
É feito corpo de Deus.”
(A necessidade do corpo)
“A poesia, a beleza, é epifânica sempre. É uma aparição oracular pedindo corpo por via da palavra. Não a invento, eu a recolho. Como? Ainda não se descobriu o misterioso caminho da criação de um poema, estranho ao próprio autor. Ao fim, a arte é maior que o artista. Sem esta convicção (e se equivoca bastante) não deve vir a público. A beleza exige obediência estrita. Apesar de sua autonomia, os poemas guardam uma surpreende unidade. Como isso funciona?É uma pergunta que não sei responder. Há um pequeno sinal de que preservar a unidade de uma obra é obedecer-lhe e vigiar para não nos rendermos a enfeites, truques, novidades.”
“Às vezes a beleza é uma litania sobre a feiura e a dor. A poesia não é nem nasce necessariamente do bem-estar. Ela vem apesar e por causa de tudo. Por isso nos consola tanto. A tristeza num poema é alegria, ainda que lacrimosa.”
“Experimento um corpo sujeito à doença, à velhice, à morte, mas creio na ressurreição da carne, na promessa de Jesus: "Aquele que crer em mim viverá para sempre”.”
“Poesia é energia porque é viva, pulsa, tem sangue e alma divina.”
“Um autor se escreve. Seu texto é ele mesmo, nem ficção científica escapa. Portanto, se faz uma coisa só, vista a luzes e profundidades diferentes. Do meu limite não há como sair. “
“A dimensão do poema é do mesmo tamanho do que deve ser dito. Uma cachoeira ou um pingo d"água. “
“A fé, o contexto de minha religião, doutrina, liturgias, devoções, foram e são experiências vitais para mim, e não há experiência verdadeira que não inspire. A religião, em que pesem excessos ou erros doutrinários, equívocos de catequese, se ela oferece o sentimento de estar ligado a uma fonte de transcendência e sentido, de perenidade, melhor que eu, mais poderosa que eu, onde possa prostrar-me como criatura diante de um Criador, que me castiga, protege e consola, qualquer um de nós tem a terra e o céu para lhe inspirar. “
Esta mulher de 75 anos, maravilhosa expressão de sí, exercitando sua prosa enquanto não saiam os versos, Adélia Luzia Prado Freitas, nasceu - e mora ainda - em Divinópolis, Minas Gerais, em 13 de dezembro de 1935. Foi professora durante mais de 20 anos. Seus textos retratam o cotidiano e os moradores de sua cidade. Norteados por uma fé inabalável. Mãe de cinco filhos, seus primeiros versos surgem em 1950 com 15 anos de idade. Seu livro de estréia é Bagagem, em 1976. Desde 1999 não publicava poesia. Agora nos traz “A duração do dia” escrito durante estes dez anos. Bem vindo!
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