Mostrando postagens com marcador melancolia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador melancolia. Mostrar todas as postagens

21 de mar. de 2014

Já o solstício de Outono

Minha vida é um rascunho rabiscado numa brochura. Até pensei que escrevia uma história legível e incrível, cheia de significado, para encadernar e deixar na prateleira da posteridade. Hoje, ouvindo os ventos do solstício de outono, sonando o sininho de lata, pendurado no beiral da casa, me inspirei em rever os capítulos e não consegui ler. Tantos rabiscos! Todos os dias uma tentativa de passar a limpo. Passar a limpo está difícil, não entendo a letra, perdi diversas partes do esboço de vida em páginas não localizadas. Tanta coisa escrita à lápis, outras coisas apagadas com borracha, tantas rabiscadas e ilegíveis. Quantas nem foram escritas! Quantas foram rasgadas...  Ímpetos de rasgar tudo dessa brochura, em mil pedaços, jogar no lixo, queimar, largar no vento do outono, que nada dali escrito tem serventia, unutilidade, serve para ninguém. Não consigo encontrar os capítulos escritos à tinta. Aqueles em que caprichei com minha letra redonda, escritos com tanto afeto. Talvez as tempestades tenham diluído essa tinta. Virou borrão. O papel está acabando, um dia paro de escrever essas bobagens todas. Vão ficar enfiados nalguma gaveta qualquer, esses garranchos ilegíveis, isso que minha vida é. 

(Ada, 21 de março de 2014)

Brochura:

n substantivo feminino
1     Rubrica: encadernação.
ato de brochar livros, opúsculos etc.; brochagem
2     Rubrica: encadernação.
tipo de acabamento em que o miolo do livro é coberto por uma capa mole, de papel ou cartolina, colada ao dorso
Ex.: livro em b.
3     Derivação: por metonímia. Rubrica: encadernação.
a capa propriamente dita, utilizada nesse sistema de encadernação
4     Derivação: por metonímia. Rubrica: bibliologia.
livro confeccionado dessa forma
Ex.: estantes repletas de brochuras
4.1  folheto ou opúsculo brochado
5     Regionalismo: Brasil. Uso: informal, tabuísmo.
condição ou estado de brocha ('impotente')
6     Derivação: por extensão de sentido. Regionalismo: Brasil. Uso: informal.
falta de entusiasmo; desanimação, indiferença




16 de ago. de 2013

Elena, o filme


Elena se matou. Tomou muitas pílulas e não resistiu. O filme é deprê mas, lírico, escuro, melancólico e bonito. É a gente por dentro às vezes. Angustiado e triste. Três mulheres são protagonistas. Apenas Elena sucumbiu.

Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar. Deixa Petra, a irmã de sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas. Filmes caseiros, recortes de jornal, um diário. A todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Pega o trem que Elena pegou, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos. E acaba descobrindo Elena em um lugar inesperado. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem, já não se sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir.

14 de abr. de 2013

Rubem Alves: Os que sofrem produzem a beleza para deixar de sofrer

A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de sí um grão de areia que a faça sofrer.
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-a-ostra-produz-a-perola

Pessoas felizes não sentem necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída. Por vezes, a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi”. (Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola)

“A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas.” (Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola)

Quando li esses textos, meu coração bateu mais forte. Já escrevi isso, de como doem os pensamentos que precisam ser escritos, pois é exatamente isso que sinto. Estou apenas começando a ler Rubem Alves, mas em algumas crônicas lidas, me senti contemplada. Alguns temas que ele pensou e escreveu, seus olhares para o mundo, são como um déjà vu. Isso me remeteu imediatamente às minhas buscas sobre a melancolia. Sentimento perturbador que me persegue desde que me entendo por gente. Esse jeito de ser sempre me fez incompreendida.. principalmente por mim.

“Há uma antiga e longa tradição de filósofos, artistas, escritores, poetas e músicos, que vê na melancolia, enquanto afeto de tristeza, um fator positivo capaz de impulsionar as produções artísticas, filosóficas, científicas, literárias e até mesmo as grandes ações políticas. Nós conhecemos a pergunta de Aristóteles no Problema XXX: “por quê afinal todos os que foram homens de exceção, figuras excepcionais, seja em filosofia, artes, poesia ou política, foram também manifestamente melancólicos?”  O Filósofo cita vários exemplos, como Heráclito, Lisandro, Ajax, Belerofonte, Empédocles, Platão e Sócrates “e muitos outros entre as pessoas ilustres, como de resto o próprio Aristóteles será citado na posteridade, como um exemplo de grande gênio melancólico.” (tese de um doutorando em filosofia na USP).

Então, sempre me sinto aliviada por encontrar algumas pistas que levam a descobrir afinidades com escritores, poetas, artistas e filósofos.. que fizeram de suas tristezas  uma arte,  saber que isso foi assunto de estudo para Aristóteles antes de Cristo (384 a.C.- 322 a.C), me faz tatear uma identidade. Não que isso me torne um deles, acho que seria arrogância assim pensar, mas me sinto integrante dessa “tribo” que transforma a dor da vida em alegria de viver. (Ada, 13/4/2013)

31 de jul. de 2011

À velocidade da luz

olhares.com
Uma linha de luz corta o quarto na escuridão. Será a luz do poste, ou do alvorecer? Será a luz da lua, ou a luz da rua? A vigília ilude o tempo, o cansaço turva a realidade insone. Um turbilhão de sentimentos pesa sobre pálpebras semicerradas, inchadas, cortinas de ferro que teimam esconder respostas. O que é essa linha tênue de luz que se desenha no infinito das paredes? 

Bem que podia ser resolução, tratado, manual, explicação. Mas é apenas uma fresta da janela que separa fora e dentro, barreira de vento, traz entrecortadas as coisas mundanas e insanas aqui para o latejante dentro. Bem que pode ser amor, amizade, desafeto. Maldade?

Uma pulsante invasão confusa de fatos, tambores ecoando nesse mundão de meu deus, tão frágil, quebrável. À velocidade dessa luz é tão difícil acompanhar o que penso e o que penso que penso. Linha de luz flutuante, sua navegante sou. Uma linha de luz atravessa o quarto. Lentidão?

Sou estranho ser equilibrando-me sobre essa linha tênue de luz, refletida no mundo misterioso dum quarto escuro, mundo que gira escondido da gente, mundo invisível refletido atrás de caras que sorriem, que ecoam soluços em espasmos e choram sal. Mistura confusa de olhares e gestos. Luz em pó, leitosa, fantasiosa, escorre nos pensamentos, foge aos meus pés. Ilusão?

Desequilibro-me. Despenco-me da corda dessa luz bamba, pairada no ar. Não é fresta, nem nada. Linha de luz complexa, inexplicável, invisível a olho nu. No mundo despido e hipotérmico desse quarto, invento que a luz é tocável e quente e dista centímetros dos dedos espremidos, encolhidos debaixo dos travesseiros. Se esticá-los pudesse! Os braços! Os abraços! Dormentes?

Na letargia de um corpo contraído, dolorido, lá embaixo deitado naquela cama, naquele quarto, nem percebo a origem dessa luz, nem sei se ela existe como a vejo existindo. Insistindo. Não invento, a luz é fria e longe de fato. Tenho certeza. Duvido. Esqueço.

Logo o dia amanhecerá e vou acordar do sono que não veio, do sono que não chegou a tempo de dormir. Já não-linha de luz impregnará essas paredes agora finitas, concretas e cruéis. Novamente, mais um dia turvará meu olho embotado de disputa e mágoas. Vou escancarar a janela e as palavras dúbias, certezas vãs, voarão com o vento frio de julho para bem longe, para muito longe, para a próxima noite escura. 

E se meu sono chegar, vou pedir que apague a luz e me deixe dormir. (Ada, 31/7/2011)

19 de jun. de 2011

A Melancolia

Desde o Problema XXX, atribuído a Aristóteles, uma longa tradição de filósofos, artistas e escritores vê a melancolia como afeto positivo ligado ao “homem de gênio” e à criação intelectual em geral.
Do ponto de vista da teoria dos afetos de Espinosa, o problema da melancolia coloca um outro: como é possível que de uma tristeza profunda possa nascer a atividade intelectual, artística, literária?

Toda atividade é uma produção, uma alegria, aumento da potência de agir e pensar: como ela poderia nascer da melancolia?

Nossa hipótese é que o problema se explica pela “alegria eufórica”, a outra face da melancolia, que nasce como reação do desejo contra a própria tristeza.

Por ser alegria, afasta a tristeza profunda; mas por ser eufórica, mantém o “melancólico” preso à sua própria doença. Assim, a reação não cura o “doente” de seu “mal”, o mantém num círculo interminável de euforia e estado melancólico.

Melancholia: desenho renascentista do alemão Albrecht Durer (1471-1528)



por Marcos F. de Paula