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28 de jun. de 2014

Manuel Bandeira: Desencanto

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

17 de ago. de 2012

Quer saber de uma coisa?


Vou-me Embora pra Pasárgada
(Manuel Bandeira)

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

15 de ago. de 2012

Manuel Bandeira: Felicidade


Felicidade

A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa...

E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minh´alma foge a brisa:
Tenho vontade de me matar!

Oh, ter vontade de se matar...
Bem sei é cousa que não se diz.
Que mais a vida pode me dar?
Sou tão feliz!

- Vem noite mansa...

(Manuel Bandeira, Antologia poética)

10 de ago. de 2012

Heloisa ou Arthur?



Um poema para minha netinha Heloisa, ou netinho Arthur, que atingiu extraordinários 1,34 centímetros, 154 batimentos cardíacos por minuto, sete semanas de vida, e uma "pose de lozango", na sua primeira foto... (Ada, 29/7/2012)

Sacha e o poeta
(Manuel Bandeira – Antologia poética)

Quando o poeta aparece,
Sacha levanta os olhos claros,
Onde a surpresa é o sol que vai nascer.

O poeta a seguir diz coisas incríveis,
Desce ao fogo central da Terra,
Sobe na ponta mais alta das nuvens,
Faz gurugutu pif paf,
Dança de velho,
Vira Exu.
Sacha sorri como o primeiro arco-íris.

O poeta estende os braços, Sacha vem com ele.

A serenidade voltou de muito longe.
Que se passou do outro lado?
Sacha mediunizada
- Ah-pa-papapá-papá –
Transmite em Morse ao poeta
A última mensagem dos Anjos.





28 de jul. de 2012

Manuel Bandeira: À sombra das araucárias



Foto de Jaque Zattera, gaúcha, fotógrafa e maitre do Jaque Zattera Gastronomia

À sombra das araucárias 

Manuel Bandeira

Não aprofundes o teu tédio.
Não te entregues à mágoa vã.
O próprio tempo é o bom remédio:
bebe a delícia da manhã.


A névoa errante se enovela
na folhagem das araucárias.
Há um suave encanto nela
que enleia as almas solitárias...



As cousas têm aspectos mansos.
Um após outro, a bambolear,
passam, caminho d'água, os gansos.
Vão atentos, como a cismar...



No verde, à beira das estradas,
maliciosas em tentação,
riem amoras orvalhadas.
Colhe-as: basta estender a mão.



Ah! Fosse tudo assim na vida!
Sus, não cedas à vã fraqueza.
Que adianta a queixa repetida?
Goza o painel da natureza.



Cria, e terás com que exaltar-te
no mais nobre e maior prazer.
A afeiçoar teu sonho de arte,
sentir-te-ás convalescer.



A arte é uma fada que transmuta
e transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.