Fragmentos

"A Terra é o provável paraíso perdido" ( Frederico Garcia Lorca)



"Eu não acredito em deuses e milagres. Nossos destinos são governados pelas escolhas que fazemos. Outros dirão que a sorte boa ou má, é um fator, eu discordo. A sorte só pode lhe oferecer uma oportunidade. Mas sem o desejo de fazer a escolha certa, a sorte seria tão inútil quanto um deus com cabeça de elefante (Ganesha). Para mim, a ideia de rezar para um deus que influenciará meu destino é primitiva e muito triste." Esse Diálogo ouvi num filme hoje. Me fez refletir sobre a má sorte que tive ou deixei de ter em minha vida. E muito mais sobre as minhas escolhas... Ainda não cheguei a uma conclusão.


O amor não é algo que damos corda. Algo que arranjamos ou controlamos. O amor é exatamente como a arte. Uma força que entra em nossas vidas sem regras, expectativas ou limites. O amor, como a arte, dever ser livre...



O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado. (William Shakespeare. A midsummers night's dream.)



"Seu pai não queria mais ter filhos. Eu coloquei o DIU. Mas eu queria muito ter um segundo filho. E escondido dele, fui ao médico e retirei o DIU. Em um mês engravidei do seu irmão. Então, Ele, eu quis 'mesmo' ter...". Em seguida, num tom reticente, percebendo a traição, remendou: "você também eu quis..."  (Palavras punhais de Dona Nadir, 9/8/14)



Cheia de ilusões, dentro de um vestido de noiva, fechado de cima a baixo por dezenas de minúsculos botões imitando pérolas, ela vai para a primeira noite de núpcias tão romântica e vê, sem delicadeza alguma, violentamente, seus botões - que demoraram dias para serem pregados, horas para serem abotoados - num único puxão, arrancados abruptamente, apenas pela pressa de seu cônjuge em possuí-la sem pudor algum... Nesse momento fui concebida, num dia de outubro de 1953, na praia de Matinhos, no Paraná. (palavras de decepção de Dona Nadir)


Precisa gostar de brinquedos radicais, aqueles de parquinho ou "playcenter" para andar nos coletivos Guarulhos-Penha e vice-versa. As curvas e buracos do caminho propiciam sacolejares que nos arremessam em todas as direções. Segure-se, se puder! E os ônibus são quase carroças velhas, sem amortecedores, barulhentos, sujos. A estrutura interna deles, são verdadeiros amontoados de canos, vários parecem inúteis, trançando-se por entre catracas e acentos rangendo assustadoramente. São verdadeiramente o chapéu mexicano, a montanha russa, o carrossel. Um brinquedo prestes a servir de sucata... Salve-se quem puder!


Sinto angústia em conhecer os humanos. Entre decepção e admiração, vou trombando com os de minha espécie. Há dias em que choro de tristeza pelo maldito, e outros em que aplaudo seu belo feito.” (Ada/2010)


Passos lentos me arrastam pelas plataformas, escadarias e resto do dia. Pés pesados. Enraizados no cimento esmigalhado. Se demorar mais um segundo, haverá um enraizamento profundo. Nunca mais sairei daqui, dali, do mundo. Pensei na expressão “câmera lenta”, mas ei! alguma câmera aí registra essa lentidão? A não ser meu olho-câmera, fixos na sujeira das ruas, chicletes enegrecidos colados ao chão. Esse cansaço das horas, vez ou outra busca um leito e pede para dormir. Dormir em câmera lenta. Dormir para sempre. (Ada 27/3/2014)



Pensei em escrever uma crônica hoje pela manhã. Talvez começasse assim: [ Hoje, outono de 3014, eu tive um sonho... sonhei como condenáveis eram os homens há mil anos, em 2014, que comiam bois e aprisionavam pássaros, que lhe arrancavam penas, que lhe comiam a carne sangrenta cheia de dor... que chicoteavam elefantes em circos e arrancavam-lhe as presas, e o óleo da baleia, e a diversão com um golfinho... e à semelhança de deus, sentiam-se o centro do Universo (esse frase é da Carol Ruy). E à semelhança dos piores tiranos, exerciam sua dominação opressora... ] mas daí, não deu tempo de preparar meu espirito para tal tristeza. Defender animais não é mesmo para qualquer um! É revolucionário! (Ada, 25 de março de 2014)



Ela estava na praia! Feliz! Que danada! Eu não sei se acredito nessas coisas de "alma", mas as coincidências me perturbam. Elenice demorou 15 dias para perceber que tinha ido embora daqui... daí, viu que um monte de gente ainda não sabia disso. Mas como avisar? No sábado (14) as conchinhas de minha coleção me "atraíram" e fui bulir com elas, fotografei, escrevi sobre essas lembranças e óbvio... Elenice me veio com força, pois tenho lindas conchas que ela me deu. E foi ao enviar uma mensagem para ela dizendo-lhe da minha saudade, que soube de sua partida... Agora ela repousa nessas conchas. Linda e barulhenta com sua gargalhada, quebrando as ondas do mar!" (Ada, 19/4/2013)



Parada no farol esperando o trânsito fluir, meu olhar percorre o mundo... e nem preciso estar com olhos abertos. (Ada 5/4/13)


"Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie nova da "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro. " (Clarice Lispector, Aprendendo a viver)


O bom de um homem que se descobre talentoso e deixa-o para a humanidade é esse: nunca vai partir, nem nos abandonar, sempre o encontraremos num jardim, numa parede, e muito além, lá dentro do coração. Com todos os defeitos que sempre apontamos nos outros, o que ficará na lembrança é o que causou emoção, alegria: Ianelli, uma risada com sotaque italiano, seu bom humor quando contava piadas, sua voz anasalada, pausada e mansa, sempre com o "R" na ponta da língua, um seu olhar verde com algo terno nas pupilas. No mais, desconhecido, porque o que vai escondido dentro da alma do artista? Assim ficou Ianelli em minha memória, o Canzuil da Dona Dirce e sua enorme habilidade com pincéis e concepção das cores, esse o seu talento, esse na memória do mundo. 
(Ada 26/5/2012 - 3 anos sem Ianelli)



A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjetivo, roupa transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase. (Charles Baudelaire)


Sou mesmo uma enluarAda. Nesse momento,minguante. Com aquele sorriso sem graça, até que nova eu fique... (Ada 12/5/2012)


“... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre." (Excerto de 'De noite' - Miguel Sousa Tavares, em “Não te deixarei morrer David Crockett")



Chuvinha madorrenta... junta-se no telhado e escorre pela calha fazendo um pic-pic-pic sonolento. Nos entre-blocos da rua ressequida, a grama agradece. Passarinhos encolhidos se despedem do natal. Amanhã será outro dia. Ensolarado e feliz para muitos. E logo será outro ano. Que seja feliz para todos! (Ada 25/12/2011)



A tarde natalina está com cara de ressaca! O tempo fechou por aqui, uma chuva se anuncia, mas a preguiça é tanta, tanta que, nem as nuvens e nem eu decidimos sair do lugar. Permanecemos "redondas" a flutuar... (Ada 25/12/2011)


Neste Natal, a casa da humanidade está pouco preparada. Uma grave crise de civilização assola o mundo. Em todos os continentes, a pobreza e a injustiça aumentaram. Nas casas, as pessoas enfeitam salas e armam presépios, mas Jesus continua a dizer: “É quando vocês socorrem um pequenino que acolhem a mim. (Mt 25, 31 ss). (Jose Varella, 25/12/2011)


“Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?” (Guimarães Rosa)





Vida é movimento. Nada está parado. Há momentos que a gente pisa no acelerador para conquistar ou fazer acontecer algo. Mas quando o movimento fica caótico, desengonçado, é preciso pisar no freio. Agora, com o pé no freio, as coisas se acalmaram, entraram na rotina. E assim, durmo melhor, fico menos ansiosa. Deixo o movimento acontecer por sí. Desliguei o motor. Não posso dizer que as coisas melhoraram, mas desacelerei todos os movimentos bruscos de mudanças. É que não era a hora. É isso. Esperemos a próxima volta do mundo, a próxima estação, o próximo verão. Sigo "sem novidades", câmbio, desligo. Ada (16/6/11)

"Ela me ridicularizava. Mas isso era problema dela, não meu. Eu a amava. O amor que sentia era meu e nem mesmo ela poderia tirar isso de mim. Você é o que você ama, e não o que ama você." (Nicolas Cage em seu personagem no filme "Adaptação" (2002)


 

Os dias, meses, passam. As pessoas ficam por ai, perambulando lembranças, povoando pensamentos perdidos meus, em tarde de sol poente, quente, laranja, na varanda. Meus amigos idos, esquecidos, sumidos. Dou ar da graça sem graça. Deixo um abraço de aço. Ada (24/5/11)


Bem jovem eu tinha vontade de morrer. Passa ainda um desejo, de soslaio, e vai embora. Ou então fica um tempo prescrevendo. Assim é o tal humor melancólico que Aristóteles me descreve tão bem no “Problema XXX”. A bile negra. O humor triste. E depois, a luta do melancólico para superar a profunda tristeza, cantando poesia e outros que tais, até vir um suspiro feliz, aliviado. Boa sensação de superação. Um salto para a alegria, doce vida. A um pulo da morte. Doce. Ada (19/03/11)


Debaixo do viaduto trêmulo de metal e fuligem, um mocó é refeito com o lixo do dia. Hoje, gavetas sem fundo empilhadas e uma porta sem chave de um outrora guarda-roupa fechavam imaginariamente a outra dimensão em que vivem os drogados e mendigos desta cidadesca. Meu pensamento invadiu o mocó, com a sua habitual incredulidade solidária. Um dia não precisaremos de tantas dimensões assim. Ada (28/10/10)

 

Amigo, desculpe a minha ausência. Andei me ocupando de bichos abandonados. Salvei seis vidas felinas e posso dizer que depois disso estou amando. Ada (20/11/10)


É preciso cuidado. Não há como desamassar uma folha de papel, não há como apagar a digital da gente no braço do amigo. Ada (14/9/10)


"E com a mesma intensidade com que se entregam à melancolia os criativos dedicam-se a buscar seus atalhos salvadores" Ver aqui.


Digo que a sua angústia em conhecer os humanos é exatamente a minha: entre decepção e admiração, vou trombando com os de minha espécie. Há dias em que conseguimos chorar de tristeza pelo maldito, em outros conseguimos aplaudir seu belo feito. Ada (27/04/10)


O homem não exibe virilidade apenas ao manusear a guitarra ou o fuzil. Na moto, passa a cem por hora, acelera e impõe seu poder. O motor grita cilindradas possantes, e na garupa, ele exibe a sua conquista: uma bunda enorme de cabeleira loira. Ada (22/04/10)


Às vezes me pego entristecida, embrutecida, quase que desistindo de sonhar.Tomo uma cerveja e me digo que é preciso viver o presente que o futuro é incerto. Mas, me respondo em seguida que viver assim, sem esperanças não vale a sua pena. Ada (20/03/10)


Eu nasci e fui ao pediatra, coisa da primeira idade. Depois, nos anos que se seguiram até hoje, eram todos “istas”: dentista, ginecologista, oculista, ortopedista, massagista, neurologista. Fase idealista! Entrando na terceira idade, me deparo com o geriatra e o psiquiatra. Tudo tem um começo e um fim! Ada (17/8/11)


Engraçado como a gente resume a vida: extrai o supra sumo, a alma dos sentimentos, desidrata, transforma num óleo concentrado, coloca num vidro e tampa. Daí, num dia qualquer a tampa explode e a gente se vislumbra com nosso passado.... Ada (14/8/11)


O tempo vai ficando amarelo com o passar dos anos. Posso ver no que já chegou lá do passado, no álbum de fotos, nos livros da estante, na roupa esquecida na gaveta. Amarelo é a cor do tempo quando envelhece. Ada (17/03/10) 



 

Repare que o varal de teto que você jogou no lixo é um acessório muitíssimo cobiçado para a carroça dos catadores de papelão! Ada (20/12/09)



 

Tô lendo outro livro, (de ferroada doída) que também daria um filme como o premiado Cidade de Deus. Você escreve muito bem, Professor Jeosafá! O mesmo estilo que repudia por não ser poesia. Porém, a poesia caminha pelas palavras, sejam em versos ou não. Sejam doces ou ardidas. Mesmo árido, [Era uma vez no meu bairro] é veraz e não deixa de ter poesia. Há controvérsias, mas ela, a poesia, está no cinema, na música e na rua. Ada (19/11/09)



 

Minha pele, tecido que amassa, nunca cai de moda mas esgarça, rasga, mancha e fica puída como uma calça jeans. Ada (18/11/09)




Escrever no blog foi uma forma deliciosa que encontrei de estar mais tempo comigo. Às vezes, sentia muita falta de mim. Agora, se me procuro, me encontro aqui. Ada (16/11/09)


No rádio do carro tocam hits dos anos 80 e na rua os transeuntes, sem saber, rebolam ao ritmo da música como se a calçada fosse uma grande pista de dança. Ada (13/10/09)


Para um amigo distante: És um querido da vida, apesar da ronda [disse-me] que a tristeza faz no quarteirão da tua casa. Ela também faz ronda aqui, às vezes é mais constante, e quando posso escrevo minhas crônicas e poemetos, verdadeiros exorcistas da praga que assola os nossos séculos imperialistas. Nem nos vemos há mais de 25 anos, mas alguma coisa boa ficou entre nós. (Ada 13/10/09)



 


Para um amor do passado: Te vejo partir novamente depois de dezenas de anos... Desta vez, por entre as pessoas que cantam e dançam no salão de festa. Da primeira, olhos nos olhos, meu coração chorava a cântaros de saudade. Da segunda, vi-te de costas, limpei o sal que restou ressequido no canto do olho. (Ada 8/11/09)



 


O asco a baratas, vivas ou mortas, me faz trincar os dentes e chega a me doer o corpo. Para mim, a escória do mundo. (Ada, 30/10/09)


2 comentários:

Lou Magalhães disse...

Ada, obrigada pela generosa referência ao meu texto aqui e pela indicação para a minha página.
Uma das mágicas da internet é revelar e integrar muitos cisnes por aí. Lê "Apenas um Cisne", lá na minha página. Lá também respondi ao seu comentário,
abraços

Valéria disse...

Cada vez quem me deparo com seus pensamentos e relatos e desconcertos, cada vez mais me admiro com sua sensibilidade e fico a divagar se tenho isso em mim...
Saudades...Valéria.