19 de jun. de 2012

História para contar aos netos

Trem da EFA (1960)
“Na paisagem, só vacas malhadas em preto e branco...”, dizia a cartinha que eu enviava para a prima de Cosmorama, quando as férias chegavam ao fim e de volta em casa a saudade batia. Essa paisagem que restou na lembrança, permeava pelas onze horas de viagem no trem da antiga EFA, a Estrada de Ferro Araraquara. Esperava ansiosamente as férias para poder andar nesse trem. Partíamos bem cedinho da Estação da Luz. Os bancos giravam e podiam ficar um de frente para o outro e essa era a primeira providência que meu pai tomava, então a família podia ficar em convescote durante a viagem toda. Eram bancos enormes que davam até para deitar e dormir. Mas ficar sentada só mesmo quando a canseira batia ou não fazia alguma amizade no banco ao lado. A ordem era perambular por todos os vagões e curtir o lugar mais emocionante de se ficar: a junção entre dois vagões. Ligados por uma “sanfona” flexível fazia o balanço ficar mais intenso, desafiante. Dalí, se podia sentir o vento no rosto e ouvir o paque-páque-pá ritmado nos trilhos, sentir na pele a onda verde do mato ao longo e ao longe, assustar-se na escuridão dentro do túnel. Quesitos fundamentais. As vacas e cavalos e os grandes montes de cupim, feito legos, ou quebra-cabeças, eram brinquedos sempre iguais, e sempre diferentes. Incansável olhar o tabuleiro de capim e árvores e açudes. Na hora do almoço, o restaurante! Mágico sentar ali e almoçar olhando pela janela. A comida tinha sabor especial. Fome de novidades. O tempo não pára. O tempo parou! As estações ferroviárias, arquiteturas que parecem cenário de filme, me faziam pensar que pessoas não cabiam ali, sempre com seus tijolinhos e telhas luzindo vermelhas, e as plaquinhas com o nome do lugar, lembravam casinhas de bonecas. Crianças gritando e acenando das casas à beira dos trilhos riam e tudo era alegre. Ficava feliz. O trem apitava nalguma curva e o carrinho de refrigerantes e gibis, passava na hora do lanche com aquele seu vendedor uniformizado tão imponente. Enfim, chegando à estação da cidade de Cosmorama, onde meus avós viveram e criaram seus dez filhos, a charrete já estava a postos para nos levar até a cidade, percorrendo ainda três quiilômetros de terras e cheiros indescritíveis. Essa história é perfeita para eu contar aos meus netos [que venham!] e compete perfeitamente com qualquer conto de fadas. (Ada 19/6/2012) 
Em 1986, a estação já estava abandonada. A estação, ainda longe do centro, fica do outro lado da rodovia Euclides da Cunha. Está em 2009 habitada por uma família que a conserva.
Em 1986, a estação já estava abandonada. A estação, ainda longe do centro, fica do outro lado da rodovia Euclides da Cunha. Está em 2009 habitada por uma família que a conserva.
Continua nos próximos capítulos:

Cosmorama, a cidadezinha.

A Igreja Matriz e a missa.

O footing na praça da matriz depois da missa.

No circo das crianças, o ingresso era palito de fósforo.

Eu cantava Celi Campelo pelos alto-falantes da cidade.

No bailinho do Clube era ideal para namoricar.

Tomar leite quente tirado na hora.

Comer pamonhas feitas no quintal.

Ganhei uma boneca nova!

Aprendi a fazer pontinhos de crochê.

Não gostava quando embebedavam o peru na véspera do natal.
 
CURIOSIDADES:

HISTORICO DA LINHA: A Estrada de Ferro de Araraquara (EFA) foi fundada em 1896, tendo sido o primeiro trecho aberto ao tráfego em 1898. Em 1912, já com problemas financeiros, a linha-tronco chegou a São José do Rio Preto. Somente em 1933, depois de ter sido estatizada em 1919, a linha foi prolongada até Mirassol, e em 1941 começou a avançar mais rapidamente, chegando a Presidente Vargas em 1952, seu ponto final à beira do rio Paraná. Em 1955, completou-se a ampliação da bitola do tronco para 1,60m, totalmente pronta no início dos anos 60. Em 1971 a empresa foi englobada pela Fepasa. Trens de passageiros, nos últimos anos somente até São José do Rio Preto, circularam até março de 2001, quando foram suprimidos. A estação de Cosmorama", segundo a Folha da Manhã, 24/9/1941 seria aberta em 1943 e há quase três quilômetros a sudoeste da sede do então distrito. Durante a guerra, em 1943, a EFA continuava a avançar sua linha, então ainda métrica: "Tiveram prosseguimento os serviços de prolongamento até Porto Presidente Vargas. A ponta dos trilhos, a 31 de dezembro (de 1943), alcançava Mirassol.

Disse um habitante da cidade:

“Costumava roçar mato numa fazenda de Cosmorama, ali perto da linha, lá pelos anos 1950 e 1960. O trem era o nosso relógio. A estação ficava fora da cidade - ainda fica - eu me lembro que o local tinha uma estaçãozinha e duas casinhas de turma" (Gonçalo, motorista de táxi em São Paulo, nov/99).

Em 1986, a estação já estava abandonada. A estação, ainda longe do centro, fica do outro lado da rodovia Euclides da Cunha. Está em 2009 habitada por uma família que a conserva. Em sua frente há uma praça bem cuidada e moradores locais jogando conversa fora mansamente.

(Fontes: Antonio Ravagnani; Rodrigo Cabredo; Gonçalo -; Hermes Y. Hinuy; Rafael Correa; IOESP: A Vida Administrativa de São Paulo em 1943, Fernando Costa, 1944; Fepasa: Relatório de Instalações Fixas, 1986; Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil, 1960; Mapa - acervo R. M. Giesbrecht)
http://www.estacoesferroviarias.com.br/c/cosmorama.htm

3 comentários:

Anônimo disse...

Só você mesma para passar tantas boas informações.
Sou grato pela atenção que me dedica, faço tão pouco... Bjs, Niva Leme

Anônimo disse...

Ada!!!
Eu também vivi as magníficas viagens de trem, e passei muito por Cosmorama, pois a minha viagem era até o fim da linha, ou seja: Santa Fé do Sul onde residi até completar 8 anos de idade.Sinto enorme saudades dessas viagens... Cris Cervo

Anônimo disse...

Parabéns prima, belo trabalho! Tenho tbm algumas histórias cheias de saudades desse lugar tão significativo para ambas as famílias (de meu pai e de minha mãe), muito bom recordar momentos tão importantes de nossa família, de nossa vida. Parabéns! Fico ansiosa pelos próximos capítulos. Ótima noite. Bjooo, Ligia Leocádia.