23 de mar. de 2014

Silk: a carta de amor é a alma do filme

A carta de amor

Meu querido mestre.
Não tenha receio.
Não se mova.
Não fale.
Ninguém nos verá.
Fique onde está.
Quero olhá-lo.
Estou ao seu lado.
Você me sente?

Temos toda a noite para nós mesmos.
Eu quero olhar para você.
Seu corpo sobre mim, sua pele, seus lábios.
Feche seus olhos.
Ninguém pode nos ver.
Estou ao seu lado.
Você me sente?

Quando eu te tocar pela primeira vez
Será com meus lábios.
Apertarei minha boca contra seus olhos.
E você sentirá o calor.
Abra os seus olhos agora, meu amado.
Olhe para mim!
Seus olhos em meus seios,
Seus braços me erguendo,
me deixando deslizar em você...
Meu gemido tímido,
seu corpo estremecendo...
Isso não tem fim.
Você não vê?

Você estará eternamente olhando para trás...
E eu, estarei para sempre enxugando lágrimas.
Esse momento teve que acontecer...
Esse momento é!
E esse momento continuará de agora até a eternidade...

Não nos veremos de novo.
O que tínhamos que fazer já o fizemos.
Acredite em mim, meu amor.
Nós o fizemos para sempre.
E se isso te faz feliz,
não exite por um minuto sequer
em esquecer essa mulher,
que diz agora, sem um pingo de pesar...
Adeus.

*

Não vou falar da sinopse do filme “Silk”, de François Girard (2007) , acho que você pode encontrá-la facilmente na internet.

Quero falar do que me tocou profundamente e que me fez assisti-lo duas vezes seguidas, uma atrás da outra, nesse domingo chuvoso de outono.

A alma do filme é a carta de amor escrita em japonês. Por certo tempo, paira a dúvida de quem escreveu a carta. Mas, mesmo depois de revelado, a carta continua sendo o mistério desse amor.

Quando Hervé consegue traduzir a carta, tem-se a certeza de que foi a sua amada, a japonesa que conheceu e se apaixonou numa aldeia no Japão onde foi negociar bicho da seda. Faz todo o sentido as palavras de amor ditas por ela, naquele momento, palavras de amor proibido, um amor sentido e profundo, um amor delicado, puro, eterno, um amor que não pôde acontecer, um amor não consumado...

Mas, no fim do filme, quando a carta é recitada por Helene, a esposa de Hervé depois de morta, percebe-se que as mesmas palavras ganham novo sentido, novo significado, e continuam igualmente sendo palavras de amor sentido, que mostra o outro lado desse amor, um amor consumado, dolorido pela traição, um amor tristonho pelo desejo de estar no lugar da amante, de ser amada como é a outra. Um amor consentido e verdadeiro. Um amor eterno.

E a carta então, ganha duplo sentido. E as duas formas de amar entrelaçam-se e perpetuam-se. E quando a carta diz: “E se isso te faz feliz/não exite por um minuto sequer/em esquecer essa mulher/que diz agora, sem um pingo de pesar/Adeus.” Pode tanto ser o adeus à Helene quanto à concubina Hara Jubey. Mas Hervè resta só, teve o amor das duas e resta sem nenhuma...

Tudo o mais no filme considerei excelente: roteiro, fotografia, maravilhosa música do meu adorado Ryuichi Sakamoto que dá essa aura sentimental para o filme, e para a carta e para o amor... É um filme de arte. As fantásticas cenas das viagens de Hervé cruzando a Russia até chegar ao Japão, são indescritíveis! O jardim de lírios de Helene é um sonho contido e secreto no meu coração, não pelos lírios que dão perfume ao filme, mas pelo jardim... E gosto muito de Keira Knightley, Helene no filme. E posso dizer que a alma do filme é o próprio amor.




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