24 de mai. de 2017

O gueto - por Fernando Brito

João Agripino da Costa Doria Junior
Faltam, é verdade, as cruzes de ferro, as gamadas, os dois relâmpagos à gola, a Luger, os quepes ornados pela águia.

Nem é Varsóvia, é São Paulo.

Mas da imagem emana o gueto, os restos miseráveis dos quais vivem os párias, os anti-sociais, as desgraças da Cidade Linda.

Nem mesmo na foto aparecem, de tão à margem que estão. Só os despojos de lixo de suas vidas no lixo aparecem, já com os garis prontos a remove-los e leva-los para tão longe quanto eles serão levados.

Do olhar frio e impiedoso, dardejam os raios da purificação: que os levem a Auschwitz, Sobibór, Treblinka, Lublin…

Lá, vão aprender que Arbeit match frei, o trabalho liberta, e vão andar como zumbis esfregando o chão das empresas que colaboram com a eugenia, esquálidos, olhando para o chão, recolhendo-se aos cantos para tremer sua doença.

A sociedade bem-posta – inclusive alguns que têm os avós e bisavós com os braços marcados a ferro em brasa – o aplaudirá. É muito, até, para estes animais, que nos emporcalhavam e assustavam.

Afinal, o que define a humanidade é a produtividade – como nas vacas leiteiras, a quantidade de leite que produzem – e não a vaga semelhança que tem com meu corpo bem cuidado, nem a que seus trapos possam ter com meu cashmere.

Tampouco ser humano é sublimar sua condição e sentir um desejo imenso, incontido, de aproximar-se do que parece ser semelhante, mesmo que brusco e arisco pelo que o mundo e a droga o tornaram, como avaro e cobiçoso fizeram aos judeus, o vagar, sempre tangidos, por dois milênios pelo mundo.

Quem manda não terem prazer senão o delírio e a nóia, em lugar do iate, do jato, dos luxos?

São Paulo precisa de seu lebensraum, de seu espaço vital, onde não cabem almas que não sejam arianas, mesmo que de pele tostada, feito aquele clown que arranjaram.

Nele, só podem ser admitidos os craques se estes fizerem brilhar os Jardins.

Não os que comem restos com as mãos, ávidos, famintos.

Só os que têm o Caviar Lifestyle.

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