Esse sabor, perdido no tempo, ficou adormecido no cérebro.
Passaram-se 45 anos (tanto tempo) para que o sabor doce-amargo, peculiar sabor do aniz, e extremamente estimulante, viesse á tona. Diz a ciência que quando alguma coisa é gravada em nossa memória, permanece para sempre. Nós algumas vezes "esquecemos" alguma coisa, mas o que acontece realmente é que não sabemos como achá-la no enorme sistema de armazenagem do cérebro. Provavelmente o caminho usual não é o mais efetivo, porque não tem sido usado o suficiente. A informação que procuramos permanece arquivada até que possamos alcançá-la por outro caminho através do cérebro.
E não sei o caminho percorrido que provocou essa memória armazenada, mas minha língua estalou, o maxilar contraiu, a saliva abundou e aposto que um brilho úmido faiscou meu olhar. A cena principal do momento exato em que lambia um pirulito de alcaçuz, surgiu como um lampejo do tempo.
Campielo del Forno é um páteo, (entre os vários) formado por casas à sua volta, na ilha de Giudecca, em Veneza, na Itália. Me lembro duma fonte que jorrava água fresca e que me parecia muito linda, ficava no centro dos páteos. Passei alguns meses alí, com meus pais, aos nove anos de idade. Foi a época mais estimulada e rica em aprendizado de minha vida. Aprendi a andar de bicicleta, de patins, a nadar, a falar italiano e admirar as lindas paisagens dos canais, cheios de gôndolas e gondoleiros com suas camisetas listadas de vermelho.
Fora a viagem de vários dias no navio "Frederico C" que é um episódio à parte. Conheci meu nono. Ele comia pão molhado no vinho tinto, no café da manhã, e minha nona Emma, tão pequenininha e delicada, os primos e tios, para meu espanto, beijavam na boca ao cumprimentar, inclusive a mim.
Todos os dias, em minutos, caminhando à pé, alcançávamos o cais onde o "vaporetto" nos levaria do outro lado do canal, para as piscinas (um cercado no pedaço do mar) em que aprenderia a nadar. Antes de embarcar no vaporeto era sagrado parar na doceria e comprar uma barra de alcaçuz. Essa barra preta, doce, borrachuda, mastigável, inconfundível, durava o tempo da viagem e também durou todos esses anos em algum lugar do meu "coração", que é o lugar de quem sente saudade.
A delícia de andar sobre o canal de Veneza ficou intrinseca à delícia do alcaçuz. Acho que o alcaçuz era desde os primórdios e desde então, uma essência inerente à minha alma, só não me dei conta. Corria nas minhas veias, misturada ao sangue, despertando meus sentidos todos, minha alegria, minha calmante euforia de viver. O aroma é inconfundível, seria capaz de flutuar no seu rastro invisível. A palavra enche meus ouvidos simpaticamente e gostosamente pronuciável sugerindo um suspiro. O sabor permanece na garganta por muito tempo depois de engolido, feito um perfume que fica impregnado na pele.
Esse prazer tão especial aflorou e me fez sair em busca da repetição. Por ser importado, encontrei o alcaçuz em formato de balinhas, no mercado Sta Luzia, da Alameda Lorena. Vêm em latinhas mimosas e coloridas escritas em italiano "Liquirizia" e na versão de gomas açucaradas, vindas da Alemanha. A barrinha ou as tiras enroladas ainda não as encontrei, apesar da busca incessante.
O alcaçuz é extraído da raíz adocicada da planta, família das leguminosas, ricas em glicirrizina e das quais se extrai um xarope adocicado e perfumado. Mas tem coisa que não adianta explicar, tem que viver e sentir. Nesse caso, poder reviver o sabor do alcaçuz foi a possibilidade de nunca mais ter que esquecer esse prazer indescritível, adomecido por tanto, esse tempo vivido intensamente onde a felicidade existiu, saborosa e perfumada.
Passaram-se 45 anos (tanto tempo) para que o sabor doce-amargo, peculiar sabor do aniz, e extremamente estimulante, viesse á tona. Diz a ciência que quando alguma coisa é gravada em nossa memória, permanece para sempre. Nós algumas vezes "esquecemos" alguma coisa, mas o que acontece realmente é que não sabemos como achá-la no enorme sistema de armazenagem do cérebro. Provavelmente o caminho usual não é o mais efetivo, porque não tem sido usado o suficiente. A informação que procuramos permanece arquivada até que possamos alcançá-la por outro caminho através do cérebro.
E não sei o caminho percorrido que provocou essa memória armazenada, mas minha língua estalou, o maxilar contraiu, a saliva abundou e aposto que um brilho úmido faiscou meu olhar. A cena principal do momento exato em que lambia um pirulito de alcaçuz, surgiu como um lampejo do tempo.
Campielo del Forno é um páteo, (entre os vários) formado por casas à sua volta, na ilha de Giudecca, em Veneza, na Itália. Me lembro duma fonte que jorrava água fresca e que me parecia muito linda, ficava no centro dos páteos. Passei alguns meses alí, com meus pais, aos nove anos de idade. Foi a época mais estimulada e rica em aprendizado de minha vida. Aprendi a andar de bicicleta, de patins, a nadar, a falar italiano e admirar as lindas paisagens dos canais, cheios de gôndolas e gondoleiros com suas camisetas listadas de vermelho.
Fora a viagem de vários dias no navio "Frederico C" que é um episódio à parte. Conheci meu nono. Ele comia pão molhado no vinho tinto, no café da manhã, e minha nona Emma, tão pequenininha e delicada, os primos e tios, para meu espanto, beijavam na boca ao cumprimentar, inclusive a mim.
Todos os dias, em minutos, caminhando à pé, alcançávamos o cais onde o "vaporetto" nos levaria do outro lado do canal, para as piscinas (um cercado no pedaço do mar) em que aprenderia a nadar. Antes de embarcar no vaporeto era sagrado parar na doceria e comprar uma barra de alcaçuz. Essa barra preta, doce, borrachuda, mastigável, inconfundível, durava o tempo da viagem e também durou todos esses anos em algum lugar do meu "coração", que é o lugar de quem sente saudade.
A delícia de andar sobre o canal de Veneza ficou intrinseca à delícia do alcaçuz. Acho que o alcaçuz era desde os primórdios e desde então, uma essência inerente à minha alma, só não me dei conta. Corria nas minhas veias, misturada ao sangue, despertando meus sentidos todos, minha alegria, minha calmante euforia de viver. O aroma é inconfundível, seria capaz de flutuar no seu rastro invisível. A palavra enche meus ouvidos simpaticamente e gostosamente pronuciável sugerindo um suspiro. O sabor permanece na garganta por muito tempo depois de engolido, feito um perfume que fica impregnado na pele.
Esse prazer tão especial aflorou e me fez sair em busca da repetição. Por ser importado, encontrei o alcaçuz em formato de balinhas, no mercado Sta Luzia, da Alameda Lorena. Vêm em latinhas mimosas e coloridas escritas em italiano "Liquirizia" e na versão de gomas açucaradas, vindas da Alemanha. A barrinha ou as tiras enroladas ainda não as encontrei, apesar da busca incessante.
O alcaçuz é extraído da raíz adocicada da planta, família das leguminosas, ricas em glicirrizina e das quais se extrai um xarope adocicado e perfumado. Mas tem coisa que não adianta explicar, tem que viver e sentir. Nesse caso, poder reviver o sabor do alcaçuz foi a possibilidade de nunca mais ter que esquecer esse prazer indescritível, adomecido por tanto, esse tempo vivido intensamente onde a felicidade existiu, saborosa e perfumada.
7 comentários:
Que crônica mais linda. Viajei contigo pelos canais e ruelas de Veneza e quase pude sentir o sabor do
alcaçuz...
Realmente primorosa tua descrição.
beijos
Estou acompanhando seu blog também!! adorei!! beijoss
Além achar o próprio texto delicioso,quero pedir uma gentileza: Se encontrar barras de alcaçuz, por favor nos diga onde, pois eu tb sou uma caçadora de alcaçuz!
Parabéns!!!
Ah! Sim! ia me esquecendo de falar de meu cugino que mora em Veneza. Acabei de reler esta postagem e não podia deixar de falar para Paolo que adorei os palitos de alcaçuz que me mandou pelo correio. Recebi também a raiz, para se fazer o chá. Devorei em poucos dias o alcaçuz. Que delícia! Baci a tutti in Venezia!
Eu tambem adoro Alcaçuz....quando começo,parece um vício,como até me fartar!!!!
Adorei sua postagem!
23/08/2010
Suli, onde você encontra alcaçuz? Tenho comprado apenas umas balinhas que não me satisfazem...
Para quem quer encontrar alguma coisa de alcaçuz, visite o "Santa Luzia na Alameda Lorena, nos Jardins em São Paulo. Tem muito importado. Balinhas, com certeza encontrará!
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