1 de out. de 2005

Amigos perdidos? Amigos reencontrados?

O páteo da minha escola


Aqui vem uma primeira tentativa de relembrar meus amigos de infância e adolescência dos tempos de ginásio. Uma bela escola, cheia de histórias. Na verdade, uma tentativa de lembrar de mim...

1967
Primeiro ano de ginásio. Treze anos de idade. A escola – Conselheiro Crispiniano – construída por Vilanova Artigas, sobre a qual falarei num outro momento, pois há o que falar sobre ela.

O lugar, Guarulhos, uma cidade da Grande São Paulo, que tinha a maior renda per cápita e à época muitas fábricas. Cidade feia, no meu conceito de beleza de cidade. Cidade proletária. Mas eu não entendia a analogia de cidade feia versus vida proletária onde os operários dão seu sangue na produção e vivem em condições desfavoráveis.



alienados e felizes
Todos éramos filhos destes proletários. Meu pai, operário da Olivetti. Crianças que viviam felizes em bailinhos com luz negra, o único lazer no fim de semana. A escola era o elo de ligação. Jogar handebol, basquete, queimada, brincar no recreio, escrever no livro de recordações das amiguinhas, hastear a bandeira e cantar o hino nacional com a mão no peito, desfilar no sete de setembro e tocar na fanfarra pela avenida Dom Pedro, a principal da cidade. 

Eu nem sabia quem havia construído a nossa escola. Nem sabia quem havia pintado aquele painel tão vivo na memória quando o vejo hoje, lá no páteo onde brincávamos. A gente estudava o que os livros de história impunham. Sem noção nenhuma. O país vivia um regime militar com o golpe de 1964. Quer saber quem era o presidente da República? http://www.brasilrepublica.hpg.ig.com.br/presidentesbr.htm

desfile no 7 de setembro
Segundo ano de ginásio. Quatorze anos de idade. O AI5 – ato institucional nº 5 - acabava de ser instituído em 13 de dezembro deste ano. Erasmo Dias com cara de monstro dizia: “eu prendo e arrebento” e prisões, torturas, as bocas caladas à força. A tropicália surge com Caetano Veloso, Gilberto Gil. Junto vem os Mutantes, os Beatles. A MPB do Paulinho da Viola e Elis Regina já vigorava. Os festivais, os protestos de estudantes. A UNE. A gente nem falava sobre isso. Falava? A gente nem conhecia isso. Conhecia? O que mesmo a gente fazia?

Assusta-me conhecer a história do Brasil onde eu existia mas não fazia parte ativa e que descobri nos livros, anos depois. Dormia no berço esplêndido da minha adolescência iniciante, quase infância. Colecionávamos os “brucutus”, metaizinhos que revestiam o esguicho de água para limpar pára-brisas do fusca e gritávamos nas matinês do cinema no filme dos Beatles... e depois queríamos usar o anel de rubi que o Ringo Star usava e que os camelôs - eram poucos - vendiam como auge da moda. Mas éramos muito jovens ainda prá lutar.
http://txt.estado.com.br/edicao/especial/AI5/ai56.html

E enquanto isso... seguiam-se então os anos mais duros da vida do Brasil. Anos de chumbo. Estávamos ali, pelas beiradas do olho daquele furacão.


Eu gosto de melancia
"Tudo isso acontecendo, eu aqui na praça, comendo melancia..."

1973


Faculdade de Arquitetura Farias Brito. Dezoito anos! Tinham se passados então os 4 anos do ginásio e os 3 de colégio. Todos eles na ditadura, com a mesma turma, no mesmo colégio. Passaram-se assim, sabe-se lá, que a minha memória tenta recuperar.

Mas foi aí que descobri o que “rolava” no mundo. Afinal ser promovido a estudante universitário é, e sempre foi, um status que traz novos desafios. Eu vi que a minha cidade era feia porque era proletária. Entendi o que era essa palavra que nunca tinha ouvido falar. Ser rica nunca tinha sido meu objetivo, mas esse pensar se acentuou muito. Vi que existiam classes, a dos pobres e a dos ricos. Não era justo produzir e não possuir o produzido. Não era justo vender a força de trabalho e vendê-la por tão pouco. Não era justo fazer o carro e não tê-lo, ou uma casa - já ouviu o Chico Buarque cantando um operário em construção? Meu pai era ateu e creio me influenciou bastante na forma de ver o mundo.


foto na guerrilha
Ouvi de soslaio no rádio, num dia daqueles, sobre a Guerrilha do Araguaia. http://www.vermelho.org.br/araguaia/martires.asp

Vi que tinha gente resistindo e morrendo por esse ideal de libertação. Eu queria fazer parte da história do meu País. Ser assim alienada me incomodava. Virei rebelde com causa. Entrei no mundo dos adultos. Um mundo novo então se abriu à minha frente. 

Era um mundo ilegal, desafiante, instigante. Tinha que viver nele, participar dele. Fiz teatro, participei dos DCEs, entrei nas passeatas dos estudantes do largo São Francisco levando jato d´água e bomba de gás lacrimogêneo e correndo da polícia. Achei o Partido Comunista do Brasil.

cadê meus amigos de infância?
Meus amigos da infância, que hoje revejo depois de 30 anos, tinham ficado apenas no passado. Nunca mais tive notícias deles. Queria trilhar novos caminhos e eles não estavam comigo nesses novos caminhos. Nunca pude encontrá-los na mesma trincheira. Onde eles estavam? Então eles ficaram esquecidos? Adotei novos amigos e novas novas idéias. Cresci, casei, tenho filha linda, casei, separei, casei de novo. Meus amigos de infância ficaram fora dessa minha nova realidade.
Só as meninas
E hoje quando os revi, ainda em doses homeopáticas, ainda sem reconhecê-los e entender o que são, além de muito curiosa sobre seus destinos, sinto um misto de saudade da infância, da inocência

Só os meninos
Sinto mesmo é a saudade de uma coisa que ainda não aconteceu e pela qual continuo lutando: um mundo livre, um mundo socialista.

Um abraço a vocês m
eus amigos queridos, ao lembrar de mim, lembro-me de vocês. Espero estejam felizes. Eu estou. Segui o caminho que achei mais justo e espero poder compartilhar meu presente, assim como estamos compartilhando nosso passado.


Um comentário:

Anônimo disse...

Eliana.Desejo a voce nessa jornada virtual, porem de sentimentos reais, nesse caminho de mulher, porem de sorrisos de menina, toda a sorte que acompanham aqueles que empreedem um sonho.
Um forte abraço de um amigo que gosta muito de voce!